Fernão, Mentes?, 1981

Fernão, Mentes? (1981)

Uma versão de "Peregrinação" de Fernão Mendes Pinto

Encenação de Helder Costa

Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), Porto, 18 de Novembro de 1981


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Assistente de Encenação: Santos Manuel

Cenografia: A Barraca e Jorge Sacadura

Panos e Bonecos: Jorge Sacadura

Marionetes: Xico Esteves

Guarda-Roupa: A Barraca e Santos Manuel

Mestre carpinteiro: Joaquim Pires

Luminotecnia: Paulo Graça

Sonoplastia: Costa Pinto

Cartaz: João Paulo Bessa

Fotografia: Carlos Gil

Elenco: António Cara D’Anjo, Carla Osório Mourão, Clara Rocha, João Maria Pinto, João Soromenho, Manuel Marcelino, Maria do Céu Guerra, Orlando Costa, Santos Manuel

 

PRÉMIOS

Prémio Casa da Imprensa - Melhor Espectáculo, 1982

FERNÃO MENDES PINTO, SOMOS NÓS TODOS

Falemos dos motivos que nos levaram a pegar na "Peregrinacão", esse verdadeiro monumento da literatura universal, que continua a ser praticamente desconhecido pelos portugueses.

Antes de mais, o valor do texto. Os textos valem pelo que refletem da personalidade e da vivência do autor. Fernão Mendes Pinto foi um dos milhares de portugueses que arrostou contra ventos e marés seguindo a rota que o levaria ao El Dorado. Felizmente para todos nós, acabou por ser o Charlot da Quimera do Oiro. E deixou disso testemunho farto e eloquente. As peripécias por que passou esse "pobre" portuquês têm pouco de grandiloquente e de guerreiro ou santo exemplar. Mas têm tudo de verdade, têm tudo da vida. Os medos, as riquezas súbitas, a astúcia, a miséria, a desgraça, a audácia, o "safar a pele", a inteligência, a solidariedade, e acima de tudo, um final de vida tranquilo que permite olhar para trás sem remorsos nem arrependimentos, transforma Fernão Mendes Pinto no arquétipo do homem do povo da grande gesta dos Descobrimentos.

Convenhamos que era preciso começar a falar desta arraia-miúda que construiu o país que somos, que foi colonialista e racista, sensível e humilde, gloriosa e rasteira. Tantas voltas que o Mundo tem dado, e acaba por vir sempre esta gente a dar-nos a lição de História.

"Fernão Mendes Pinto, somos nós todos". É uma frase que se ouve frequentemente (por quem estudou o autor e a obra). Pensei nesta frase, e levei-a a sério. Daí a repartição do personagem por todos os actores. De um ponto de vista teatral tentei contrariar a dramaturgia antiquada que fazia de Fernão Mendes Pinto uma personalidade irreal e simbolista, ou, no melhor dos casos, um viciado dos sofás dos psicanalistas. O homem dividido é um homem de olhos abertos perante a vida. Senão, como poderá enfrentar as contradições que o cercam?

Abstraindo das vocações que atiram os hesitantes para situações de palermice ou de oportunismo, a verdade é que um homem pode estar sujeito a várias pressões e procedimentos durante a sua vida, que mais tarde o envergonham.

Ao fim e ao cabo, o que interessa é o balanço que cada um pode fazer de si próprio. e a estima em que se tem, depois de tanta "estória" à sua volta. É uma condicão de se ter saúde. Eu achei que o Fernão Mendes Pinto era um homem sem doenças nem aflições. E parece-me difícil ter outra opinião em relacão a quem sobreviveu a tanta pancadaria e naufrágios. Esta "saúde" tem a ver com a capacidade de se interrogar. Por isso mesmo, durante o espectáculo, Fernão Mendes Pinto entra em confronto consigo mesmo atira "rasteiras" a outras facetas da sua personalidade, brinca com as suas fraquezas, e orgulha-se das coisas boas consegue fazer. Um pouco como nós todos, não é?

Espectáculo exaustivo e vivo sobre as civilizações e culturas do século XVI, eis o que se quis fazer. E. como o próprio tema exigia, deveria haver, pontualmente, espectacularidade e “riqueza”. Tentámos fazer isso tudo respeitando a linha estética que temos vindo a investigar: utilização de poucos meios, organicidade dos objectos, muita imaginação, muito "faz de conta que estou a fazer de.. Em vez de multidões de adereços, escadas de corda, mastros, cascos partidos, telões e cenários transformáveis, meia dúzia de objectos importantes - uma vela, uma corda, uma espingarda, o mar, uma viola, panos e alguns fatos, um livro - " A Peregrinação" é o símbolo da acumulação do conhecimento - e a aposta na grande riqueza do teatro - o actor. O actor que, representa, brinca, engana, expõe, explica e se diverte porque conta a história de um dos bons farsantes de todos os tempos, Fernão Mendes Pinto. Uma última palavra para a música, da responsabilidade de José Afonso, Fausto e Orlando Costa. Só para dizer que, independentemente da qualidade que ela possui, se verificou uma perfeita integração desses sons e pausas no espírito da narração, divertindo e emocionando sem alienar nem adormecer.

Hélder Costa

O que dizem sobre nós

“A peça, levada à cena pelo teatro ‘A Barraca’, constitui uma das mais significativas e inteligentes ‘comemorações’ de Fernão Mendes Pinto no ano do centenário.”

Luciana Stegagno Picchio (inMar Aberto” – Caminho, colecção universitária) 

" O texto é atrevido, não tem em conta tronos de reis ou de igreja mas em nenhum caso é ofensivo. Serve, porém, de pretexto para abriros olhos a muitos meninos de escola (e não so a estes) sobre a verdade do que fomos, para melhor entendermos o que somos...”

Manuela de Azevedo (in D.N., 1 de Dezembro de 1981)

(…) Até há bem pouco tempo quase só escolarmente citado, este homem da arraia-miúda do século XVI entrou assim, pelas mãos da Barraca, no ocaso do século X português com a força imortal de quem conhece de há muito as nossas brumas da memória. Herói do mar e da terra, sem jeito e sem temperamento, porém afoito à vida e afeito à escrita, é com saber feito de experiência e pecado que este Fernão Mendes da gesta das descobertas anima com a sua universal dimensão histórica o isolamento resistente do Zé Povinho da nossa era.

No fim do espectáculo, enquanto ainda perduravam as palmas do nosso contentamento pelo engenho e arte de um punhado de actores sobre o palco e sobre as mentes, enquanto adormecia em sossego a sábia fala da coragem e do medo e o discurso da verdade da mentira, a simples lembrança de uma meada de palha de aço, transformada em artístico penteado de uma japonesa, enchia a pequena e fria sala da Alexandre Herculano de uma fraternidade perene e de uma paz duradoira. Ao som de velhas guitarradas que não franziram lama nem ammarotaram a saudade fora dada uma bela e inesquecível lição de História.”

Maria Antónia Fiadeiro (in O Jornal, 12 de Março de 1982)

 

“Fernão, Mentes? - o bom teatro - Para atestar a categoria desta peça... ninguém arredou pé num Carlos Alberto cheio até ao tecto. Fazendo nossas as palavras de Fernão Mentes Pinto dizendo que "os portugueses correram mundo" nós diremos que esta peça correrá mundo.”

in N. da Tarde, 19 de Novembro de 1981

“. . . um dos mais brilhantes, talentosos, geniais, imaginativos, deslumbrantes, trabalhadores e consequentes grupos de teatro português, tanto adjectivo pode permitir uma acusação de exagero por parte dos leitores.

Mas uma presença na casa de Alexandre Herculano, junto ao Rato, para assistir a "Fernão Mentes?" - para aqueles que não tiveram a oportunidade de ver trabalhos anteriores do grupo - justificará à saciedade o nosso entusiasmo.”

Jorge Oliveira (in Som 80 - Portugal Hoje, 16 de Janeiro de 1982)

Reposições

Fernão, Mentes? (Reposição, 1999)

Fernão, Mentes? (Reposição, 2014)

Anterior
Anterior

1980. É menino ou menina?

Próximo
Próximo

1982. Tudo Bem!