É Menino ou Menina?, 1980

É Menino ou Menina? (1980)

A partir de textos de Gil Vicente

Encenação e Dramaturgia de Helder Costa

A Barraca da Alexandre Herculano, 5 de Maio de 1980


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Música: Orlando Costa

Iluminador: Paulo Graça

Luminotecnia: António Cara D’Anjo

Cenografia e Guarda-Roupa: Jasmim

Cartaz: João Paulo Bessa

Elenco: Maria do Céu Guerra, Orlando Costa

PRÉMIOS

Prémio Associação Portuguesa de Críticos
- Melhor Espectáculo
- Melhor Encenação: Helder Costa
- Melhor Actriz: Maria do Céu Guerra
- Melhor Companhia: A Barraca

GIL VICENTE, UM VELHO AMIGO

GIL VICENTE tem acompanhado CAMÕES numa amarga desdita: a de ter sido "odiado" por várias gerações que foram obrigadas a estudá-lo.

As razões deste infortúnio não conhecidas: um sistema de ensino reaccionário; a mediocridade cultural que não compreende que o "clássico" só o é, porque tem sempre coisas novas a dizer aos homens de qualquer época.

Claro que as "boas intencões" apregoadas por aí aos quatro ventos, parecem contrariar o que acabei de escrever. Não faltam as frases que dizem que “Gil Vicente está vivo", que "é eterno e de todos os tempos", que "desenha tipos e personagens que encontramos a cada passo", etc.

Mas a verdade é que o trabalho prático sobre a obra Vicentina se tem revelado, normalmente, de uma ineficácia confrangedora, criando (?) espectáculos (?) arqueológicos, académicos, poeirentos, chatos, de onde as pessoas fogem a sete pés. É um mau serviço prestado a Gil Vicente.

Sendo também evidente que a resposta a estas fúnebres cerimónias não pode consistir exclusivamente em achados (ou imitações) de sensacionalismos estéticos, nem na extrapolação abusiva do que diz o autor, põe-se a velha questão: Que Fazer?Quando encontramos um amigo cansado de uma longa viagem, damos-lhe roupa nova, alimentação, falamos com ele do que se passou na sua ausência, ensinamos-lhe as palavras que mudaram, os novos hábitos que surgiram, e dizemos-lhe que é preciso voltar a encontrar uma linguagem e um pensamento comuns. Conversa por vezes difícil, e nem sempre bem sucedida, mas entre amigos tem sempre de se tentar.

Depois, apresentamo-lo aos amigos que nós fo-mos tendo, ou, por outras palavras, fazemo-lo entrar na sociedade. Para que ele diga aos outros o que já nos tinha ensinado - desta vez de uma forma mais clara e convincente - aquela que nós fomos capazes de lhe sugerir.

Eis o que nós fizemos com este Mestre Gil, velho amigo que respeitamos e amamos. Esperamos que o aceitem, que o recebam bem, e que nunca mais o deixem voltar a partir. Acreditem que vale a pena. Ele gosta de rir, brincar, satirizar. Direi mesmo que não quer outra vida.

Hélder Costa

Passados quatro anos depois dos "Fidalgotes", aqui está A BARRACA de novo com Gil Vicente. E uma velha paixão para muitos de nós.

Pegar numa dúzia das suas mulheres, ligá-las ao que no mais fundo as define: a sua relação com o homem, com o medo, com a fome, com a solidão. Mergulhar no seu pânico e vir ao de cima para que nos ouçam dizer: "ainda somos assim! muitas!"

No chamado país real sofre-se das mesmas doencas há pelo menos quinhentos anos.

Para uma actriz nunca vi proposta mais bonita.

Eliminei a tentação de "compôr" os personagens e exibir o leque de registos que um actor sempre possui. Eliminei a tentação de lhes fechar um olho, colorir o nariz de bêbeda, pôr um buço, fazê-las coxear, falar fanhoso, etc., etc. Conduzi o meu trabalho para a pesquisa no essencial: a relação destas mulheres com a vida, com a sociedade, com o que nelas há de velho e de novo.

Se a velha que quer casar nos aparece como uma Inês Pereira, quarenta anos depois, na idade dramática em que o desejo sexual é objecto de troça, penso que o sentido da pesquisa deve ser aproximá-las e não afastá-las. Se o medo da Alcoviteira ao entrar no céu se parece com o medo da Bruxa ao entrar na corte, penso que essa relacão deve ser reforçada e não apagada. Nenhuma destas figuras, à excepção da Bruxa do Auto das Fadas, se pode considerar revolucionária ou sequer avançada em relação ao seu tempo. Pelo contrário, todas elas refletem cargas terríveis de séculos de opressão ideológica e social. No entanto, todas elas nos são dadas em situação de ruptura, pelo menos com os valores que lhes pesam directamente.

Gostaria que se visse através deste trabalho que essa ruptura é o que há de verdadeiramente Novo nestas figuras.

Maria do Céu Guerra

O que dizem sobre nós

“ (...) Maria do Céu Guerra que se afirmou uma das maiores actrizes que a nossa memória teatral alcança, captando cada uma dessas mulheres vicentinas, com elas se misturando, transmitindo-as vivas, actuais e emocionantíssimas”

Victor Pavão dos Santos

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