A Cantora Careca (1992)

Texto de Ionesco
Encenação de Helder Costa
Instituto Franco-Portugais, 8 de Outubro


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Cenografia e Figurinos: Mário Alberto

Execução de Cenografia: José Manuel e Reboucho

Carpintaria: Mestre Madeira

Execução de Guarda-Roupa: Trindade Florêncio

Aderecista: Victor Sá Machado

Iluminação: Paulo Guerra

Sonoplastia: Fernando Pires

Produção: Maria do Céu Guerra, Luis Filipe D’Almeida

Elenco: Fernanda Lapa, Ilda Roquete, Paula Coelho, Pedro Alpiarça, José Boavida, João Ricardo

De braço dado com Ionesco


Uma das coisas que mais me têm surpreendido desde a tenra adolescência é o olhar paradoxal e ambíguo sobre as manifestações artísticas de vanguarda.
Eu concretizo: o teato de vanguarda dos anos 50, distorcido, iconoclasta, subversivo e inimigo dos convencionalismos, bebia grande maioria da sua razão de ser no cómico cinematográfico: Laurel e Hardy, Chaplin, Buster Keaton, Marx Brothers (isto é o que afirmam Ionesco, Adamov, Beckett, Tardieu e outros).
Para o comum dos mortais, isto quer dizer duas coisas: primeiro, que os intelectuais seguiam o saudável axioma latino "ridendo castigat mores", que respiravam agressão e irreverência, que acreditavam que a sua arte contraditória agitava a falsa estabilidade social e cultural; segundo, que o burlesco Norte-Americano significava muito mais que o "gag" gratuito.
Parecia que as contas estavam feitas.
Mas, de repente, sabe-se lá por que obscuros desígnios, os ditos autores foram objecto de mil e um estudos sombrios e ultra-académicos. E conseguiu-se, oh milagre da Natureza, que esse teatro de vanguarda se convertesse em rituais de "elevada análise" sobre a morte, o impasse do indivíduo, a incompreensão do ser, e todo o resto de bugigangas metafísicas.
Razões para esse travestismo houve, com certeza, muitas. A maioria, claro, de natureza política e ideológica. E, excepto algumas excepções, não eram de boa fé.
Entretanto, muita água correu por baixo das pontes e o mundo mudou.
E o trabalho de Ionesco actualizou-se e transpira uma inquietante modernidade.
O absurdo fez-se regra e lei entre as relações humanas. E o humor, felizmente, volta a ser a melhor terapêutica anti-psiquátrica (não tenho nada contra os psiquiatras, mas prefiro conservá-los só como amigos).
E é por esta meia dúzia de razões, e mais outras, que não vale a pena exprimir porque se percebem nas entrelinhas, que pensámos num Ciclo Ionesco. Da sua extensa e riquíssima obra escolhemos a inevitável "Cantora Careca", porque não se pode contornar o primeiro marco da dramaturgia moderna de vanguarda; seguimos para "Macbett", porque é preciso perceber coisas tão simples como Poder é Poder e por isso é todo Poderoso, e por isso é autoritário, e por isso "se queres conhecer o vilão põe-lhe o Poder na mão", e mais isto e aquilo, e etc.; e depois, claro, "Rinoceronte", a afirmação da liberdade contra a rinocerite, a massificação cega, um hino à independência individual, um manifesto pró-cidadania (o tal projecto que todas as políticas e ideologias afirmam perseguir e que, até agora, pelos vistos, ainda não se conseguiu).
É este o nosso projecto de espectáculos para os tempos mais próximos. Com humor e ironia, de braço dado com Ionesco, vamos falar de nós e do que nos cerca. E também, claro, dos medos, das angústias, das frustações e da morte. É precisamente para isso que existem o humor e a ironia.


Hélder Costa

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