Um Homem é Um Homem - Damião de Góis, 1985

Um Homem é Um Homem - Damião de Góis (1985)

Texto e Encenação de Hélder Costa

Teatro Maria Matos, 27 de Setembro de 1985


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Música: António Victorino de Almeida e Zeca Afonso

Cenografia: José Carretas 

Figurinos: Maria do Céu Guerra

Guarda-Roupa: Aida Leite, Alda Torres

Máscaras e Adereços: Francisco Pereira

Luminotecnia: Paulo Graça

Sonoplastia: Costa Pinto

Carpintaria: Manuel Barata

Cartaz: José Carretas

Dispositivo Cénico: João Brites

Elenco: António Gomes, Cármen Santos, João Azevedo, João Maria Pinto, José Carretas, José Gomes, Jorge Sequerra, Paula Sousa, Teresa Faria, Victor Carvalho

PRÉMIOS

Prémio RTP - Melhor Texto inédito, 1979 
Prémio Associação Portuguesa de Críticos - Melhor texto português encenado, 1985 
Prémio Nova Gente - Melhor Texto de Teatro, 1985 

Notas de encenação


 Sete anos depois do texto escrito - esperemos que o número cabalístico funcione - eis-me a braços com a tarefa inesperada de encenar “Um Homem é Um Homem - Damião de Góis”.

  Facto realmente inesperado, que se deve, unicamente, a um inexplicável atraso por parte da RTP em cumprir o que estava estipulado no regulamento do concurso: gravação e posterior transmissão do prémio.
Bem, não nos lamentamos mais, até porque ao bom Damião de Góis aconteceu coisa bem pior.
  Como autor do texto, tinha garantida a plena liberdade de criação que o encenador costuma reivindicar. Reformulei o original, depurando-o de alguns excessos narrativos e enriqueci-o com novas cenas destinadas a favorecer o conhecimento cultural e o aspecto lúdico - facetas habituais e constantes do trabalho teatral de “A BARRACA”.

  Em 1940, investigações sobre o crâneo de Damião de Góis, revelam a existência de contusões que inclinaram os especialistas a pensar que ele tivesse sido assassinado. Assim se desfez a informação, veiculada durante séculos, de Damião de Góis ter adormecido e caído na lareira, onde teria sido encontrado morto, uma manhã de 1574.

  A tese do crime substituiu a explicação do acidente. Este é o ponto de partida da encenação. O espectador é convidado a seguir uma investigação, conduzida pontualmente, por um segundo Damião de Góis, misto de memoralista e inquiridor, de figura poética e amigo vigilante. Ao mesmo tempo, entre a cinza e o fogo, esse percurso possui o ritmo irregular da recordação descontrolada e emotiva, da imagem confusa e nebulosa que - dizem - pertencem aos «dois segundos antes da morte».

  Memória e inquérito sobre uma vida e as razões de uma morte, apelam a uma cor, uma definição cénica e uma determinada estética. Como encontrar melhor inspirador que BOSCH, o artista do pré-Renascimento que pintou e eternizou a heresia, a irregularidade do Mundo e da Natureza?

  Não serão os montros e as figuras humanas, estranhas, aleijadas e repulsivas, a melhor representação do obscurantismo e dos medos e fantasmas que sempre acalentou e reproduziu?

  Não foi essa a arte pictórica que colocou na tela os sinais da nova Ciência que iria transformar o mundo, o sentido do movimento com a espiral, o homem como ser contraditório e fonte do saber?

  Este espectáculo tenta dar resposta a algumas destas interrogações.

  E há um quadro - no Museu Nacional de Arte Antiga - que inspirou particularmente esta pesquisa: «As Tentações de Santo Antão», de BOSCH, adquirido na Flandres e trazido para Portugal precisamente pelo nosso Damião de Góis.

  Este contributo formal do grande humanista português ao nosso espectáculo, não é fortuito, nem foi, com certeza, ditado por alguma «última moda» das galerias da época.

  Na verdade, quando Damião de Góis comprou as «Tentações» estava a encontrar a cor e os símbolos que correspondiam correctamente às suas preocupações filosóficas e religiosas, ao seu gosto satírico e ao avanço da inteligência do seu tempo.
O esforço de “A BARRACA” consistiu em tentar corres-ponder a essa linha formal, em conseguir criar o objecto único onde a forma e o conteúdo são indissociáveis.

  Desde a espiral da cenografia, à estranheza do guarda-roupa e utilização das máscaras, até aos momentos coreográficos, narrativos ou meramente decorativistas.

  Para a música do espectáculo, foi novamente Damião de Góis que nos serviu de inspiração. O seu motete «Ne Laeteris» é a base que serviu o trabalho desenvolvido por António Vitorino de Almeida. E, para su-blinhar o texto sobre a Utopia de Tomás Morus, recorremos à canção do mesmo nome, já estreada num anterior espectáculo de “A BARRACA” (“Fernão Mentes?”), de um legítimo herdeiro dos Renascentistas e humanistas do nosso tempo: José Afonso.

  Estas linhas gerais e o esforço de representação dos actores, comunicativo, directo, imaginativo, são as pedras com que quisemos montar este espectáculo.

  Que o público sinta quem foi o homem-Damião de Góis, e o que significa um exemplo de coragem e coerência em tempos de noite escura, é a maior alegria que nos podem dar.

Hélder Costa

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