Calamity Jane, 1986

Calamity Jane (1986)

Um Espectáculo de Maria do Céu Guerra e Helder Costa

A Barraca da Alexandre Herculano, 6 de Junho de 1986


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Texto, Tradução, Adaptação, dramaturgia e encenação: Maria do Céu Guerra e Hélder Costa

Assistência de Encenação: Paula de Sousa

Música e Montagem: António Cardoso

Cenografia e desenhos: Carlos Martins Pereira

Figurinos: Jasmim

Banda Sonora: João Paulo Guerra

Luminotecnia e Adereços: Luís Viegas

Letras das Canções: Fernando Assis Pacheco

Guarda-Roupa realizado por: Boutique Augustus

Elenco: Maria do Céu Guerra

PRÉMIOS

Prémios Revista “Mulheres”

- Melhor Encenação: Hélder Costa
- Melhor Actriz: Maria do Céu Guerra

Um punhado de cartas que demoraram a escrever vinte e cinco anos mais a descoberta, a maturidade e também muitas desilusões.

  Cartas que nos surgem com coloridos fugazes do «kitsh western», que nos aproximam das famílias míticas criadas na planície árida desbravando terras, exterminando índios, criando o fora-da-lei e o pistoleiro, sobrevivendo com a pena de Talião e a lei de Lynch. E também, com a benção toda poderosa do «Colt 45» e da «Winchester», o alicerçar frágil mas
determinado de uma democracia livre dos escombros absolutistas Europeus, enfrentando novas contradições, espalhando a morte entre irmãos.
  No meio-centro - deste mundo, uma mulher, Calamity Jane. Para quem a emoção e a afectividade se resumem a três personagens - a filha Janey, o seu cavalo Satan, velho companheiro fiel, e o grande amor da sua vida, Wild Bill, a pistola mais rápida, a carta astuciosa, o marginal que conseguiu ser, a dada altura, um «sherife com cabeça».
  Vamos vê-la representando a sua vida para a filha, o amor distante e proibido. Afirmando-se independente, capaz de agarrar a vida, suficientemente corajosa para não ser a clássica mulher dos filmes de »cow-boys», ou a mulher de camponês ou flor de «saloon».
  A vida consiste numa acumulação de experiências, mesmo quando parece que nada se passa. Calamity Jane sabia isso e corria esse risco. Tinha a sabedoria de misturar o prazer e o desgosto, porque assim se atinge a emoção. Por isso, descansou em paz ao lado de Wild Bill. Nós acrescentamos: de pistola na mão, esperando por um último café.


Hélder Costa

Cartas a Calamity Jane

18 de Abril de 1986 

  Querida Calamity Jane:

  Quando uma personagem fala de si, dizia Tchekov, não é obrigatório que esteja a dizer a verdade. Tu não fazes ideia quem foi este Tchecov; um russo teu contemporâneo, mas digo-te que esta reflexão que estou a citar de cor, esteve presente em todo este trabalho. É que tu foste tecendo em cartas, a imagem que quiseste dar à tua filha, e depois de te vermos humoristicamente contada na banda desenhada, machistamente avaliada nas enciclopédias e romanticamente reflectida no cinema, lemos-te e fica connosco um grande silêncio. Vamos à procura da verdade, e voltamos ao mito. E como tu foste despistando a verdade e a mentira no que contas de ti...
  Para sobreviver apresentaste em «shows» as peripécias da tua vida, e nós tomámos as tuas cartas como o espectáculo que dás de ti à tua Janey. Mas contaste só o que querias que ela soubesse, não foi? Que medo tu tiveste dessa meninazinha que querias bem comportada e burguesinha e séria. Que grande medo hã? As pessoas grandes têm às vezes medo das pequenas, não é?
  Mas sabem-se coisas de ti, sabe-se que te indignavas muito, que querias e não querias que te conhecessem, sabe-se que te amarguraram maldades, incompreensão e saudades. Sabe-se também que foste solidária e generosa mais do que era costume no teu tempo de salteadores e Xerifes.
  Queria só dizer-te que descanses em paz, ao pé do teu amado Wild Bill porque a tua filha se orgulhou de ti, mesmo vindo a saber muitas coisas que tu lhe encobriste, e que não temas o julgamento das mulheres portuguesas que te vão conhecer através deste espectáculo. Elas vão sentir-se muito mais próximas de ti do que tu poderias pensar, pelo menos aquelas que tenham consciência da opressão em que ainda vivem.
  Sabes, bem vistas as coisas, temos os mesmos problemas, cá também temos os nossos salteadores, os nossos Xerifes e também muito de nós transportamos bonecas no fundo de malas a quem não podemos dar o mundo que queríamos. E o Oeste continua selvagem.  Hoje, aqui.


Até já,
Céu

Minha querida Calamity Jane:

  Imagina que, com a minha idade, arranjei uma companheira. É uma égua muito bonita, toda branquinha. É a Princess. Ela também é de Abilene, mas nunca nos tínhamos conhecido. É muito nervosa, nunca está quieta, pareces tu. Eu conto-lhe coisas que tu fazias, e rimo-nos que nos fartamos. Os outros cavalos e éguas julgam que nós somos parvos.
  Neste bocadinho de céu há pasto com fartura, e os Invernos nunca são frios. Temos uma vida calma, damos longos passeios, e até agora não foi preciso andar naquelas corridas atrás (ou a fugir) dos fora-da-lei.
  Lembras-te quando salvamos o Wild Bill? Diz-lhe que eu tenho saudades dele.
  Quando quiseres visitar-nos, tens um estábulo às tuas ordens.


  Beijos e saudades da Princess e do teu cavalo.
  Satan

LETRAS DAS CANÇÕES

Se eu quiser dizer quem fui
É uma história banal
Fui amada, trocada e pouco
louvada
Até ao dia final

Há quem me chame Calamidade
Nome de bala ou punhal
A minha alma andou sempre
afinal desarmada
Servindo o bem contra o mal

Tive amores mais de cem
Mas só um deles fatal
Fui achada, perdida, depois namorada
Era uma paixão leal
REFRÃO

Era o amor de embuscada
Co’a lua por castiçal
Eu deitada, acordada, à espera de nada
Cantando como um cristal
REFRÃO

Quem quer ver arder o mar
um coração há-de ter
mas não cabe em sorte a quem quer
fogo de neve no mar.

Tu podes outras acompanhar
numa cidade qualquer
vais pensar que não há mais bela mulher
mas são fantasmas no ar.

O ciúme é um lume por apagar
e eu tenho sina de arder
hás-de ver como ardo até
morrer
já longe no alto mar.
REFRÃO

Muito ou pouco só sei amar
e sempre assim há-de ser
mesmo que não sobre ao
amanhecer
mais que uma cinza no ar.
REFRÃO

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