O Menino de sua Mãe (1988)

Sobre textos de Fernando Pessoa
Encenação de Maria do Céu Guerra
Teatro S. Luiz, 24 de Janeiro


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Música: Ana Cristina Carqueijeiro

Cenário: Mário Alberto

Bonecos e Máscaras: Carlos Ramalho

Luminotecnia: Luís Viegas

Produção: Juvenal Garcês

Carpintaria: Manuel Barata

Apoios de: Paula Coelho, Irene Pimentel

Elenco: Maria do Céu Guerra, Ilda Roquette, João Maria Pinto

Cada pessoa olha para o Pessoa com o que é capaz. O meu olhar vai para um poeta em contas insaldáveis com a sua infância, vivida ou inventada, com a sua possibilidade ou
impossibilidade de Pátria, com a sua capacidade ou incapacidade de Amor. Como nós, sempre. Contas que não se fecham. Só que este tirou dessa contabilidade três das grandes dominantes da sua obra. Afundado numa contradição insolúvel entre masculino e feminino, infeliz, negro, aterrado com a morte mas sem chegar à vida, Fernando Pessoa escolheu a obra.

Era o tempo em que se preferiam «romarias» a «mensagens». Apesar de conservador na
política, Pessoa minou códigos, questionou gramáticas, foi tão estruturalmente subversivo, tão decadentista, tão maldito que os conservadores o olharam de soslaio. Mas era também o tempo do Modernismo, da descoberta do homem dividido e Pessoa, alma de mercúrio dum termómetro partido a dividir-se e a juntar-se, é ainda a nossa modernidade.

Neste espectáculo procurei procurá-lo. Não dividi-lo. Por isso só Pessoa ele mesmo e Álvaro Campos numa fase bem próxima do ortónimo. Procurei o proto-poeta na sua sensibilidade que se vai jogando do masculino ao feminino e culmina no último texto «Carta da corcunda para o serralheiro».

Este pequeno olhar tem três andamentos:

1.º - A impossível infância, parada no ar da memória, matraquear de uma inacabável «nau catrineta» cantada pela tia velha, a impossível mãe.

2.º - A impossível Pátria - Lisboa? O quinto império? A língua portuguesa? O inglês? As vinte e tantas casas donde fugia de si? A arca? - em qualquer caso «o marinheiro».

3.º - O impossível Amor, Ofélia? A rapariga loura? O rapazito de York? Ficções de qualquer modo. Ou seja a Maria José que escreve ao serralheiro, ou seja o aprofundamento de uma impossibilidade.

Por entre eles, correrá a música de improviso. Quase.

Este espectáculo resulta do que começou por ter querido ser a «performance» de várias
sensibilidades ao encontro da outra sensibilidade, a do Poeta. Agora é uma leitura minha unívoca, pessoal sobre Fernando Pessoa cansado de tudo e de si próprio, mesmo antes das comemorações Pessoanas. Até nisso ele se antecipou à maioria dos intelectuais...


Maria do Céu Guerra

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