O Baile (1988)

A partir da ideia de J.C. Penchenat e do filme de Ettore Scola
Guião e Encenação de Hélder Costa
Ritz Clube, 11 de Fevereiro


FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Produção e Guarda-Roupa: Maria do Céu Guerra

Mestre de Dança: Magalhães Pedroso

Máscaras de Carnaval: Rui Pimentel

Luminotecnia: Luís Viegas

Montagem: Alice Ferrugem

Execução de Guarda-Roupa: Aida Leite, Alda Torres

Apoio de Caracterização: Manuel João

Fotografia: Eduardo Gageiro, Pedro Múrias

Estúdio de Gravação: telefonia de Lisboa

Elenco: José Oliveira, Maria do Céu Guerra, Luis Thomar, Paulo Oom, Marta Tereno, António Cardoso, Maria João Luis, Margarida Barão, Miguel Rodrigues, Leonor Alcácer, Victor Torres, Paula Sousa, João Carneiro, Teresa Faria

A proposta de espectáculo de “O BAILE” é fascinante.
A descoberta de um período recente da História, recorrendo à dança e a um “espaço de baile”, possui o aliciante do jogo sobre a memória, do encanto pela música, e da
recordação afectiva.
Quando surgiu o projecto de montagem de “O Baile” - a partir das imagens do filme de Ettore Scola - pensámos imediatamente no seu aportuguesamento.
Isto, apesar de a moda em curso ser decalcar espectáculos estrangeiros, e quanto mais bem copiados melhor, que assim é que a Criação fica em paz e sossego.
Este “Baile” é, portanto, um baile português.
E, por isso mesmo, não falamos do Front Populaire, da ocupação nazi, da resistência e do Maio de 68.
Mas falamos de outras coisas, das nossas coisas: da Grande Guerra sentida de longe, dos nossos anos 50 feitos de fados, chitas, modas e bordados, alegrias ingénuas,
melodramas de bairro; e também, da repressão, de Humberto Delgado e Salazar, da guerra colonial, da carnavalesca primavera Marcelista, dos cravos de Abril, e da nova época videoclipsada e Madonnizada, artificial e exterior à memória portuguesa.
O espectáculo Francês era sobre a resistência; o nosso, é sobre a alienação.
E é curioso e estimulante notar que o retrato de um período cinzento não reflecte
obrigatoriamente uma imagem triste e
derrotista.
Porque, apesar de tudo e contra tudo, o povo diverte-se, ama e vive.
A condição humana é contra o desalento e a desesperança, e luta pelo amor, pela ternura, pela alegria.
Como prova este “Baile” à portuguesa.


Hélder Costa

PRÉMIOS

Prémio Procópio

Dois dias antes do 25 de Abril, estava eu em Paris dirigindo um encontro de activistas de teatro - consequência do trabalho do «Teatro Operário» - onde se encontravam cerca de 250 «militantes» (actores, técnicos, directores, autores, etc.).
O interessante desta reunião é que todos os participantes - com algumas habituais, tradicionais e honrosas excepções de intelectuais - eram da massa trabalhadora: operários, mulheres a dias, empregados do comércio, etc.. Mais interessante ainda é que toda essa gente estava a fazer espectáculos escritos, pensados e dirigidos por eles. Quer dizer, em linguagem que toda a gente entende, que o velho sonho de cada um agarrar o seu destino e os seus desejos nas suas mãos, estava a tentar realizar-se através de uma coisa muito simples (e difícil) e normal (e estranha) que era cada um pôr em público as suas aspirações, lutar por elas e defendê-las, dar a cara, assumir-se.
Esta era uma das coisas que se passava na emigração e no exílio. Ao mesmo tempo, nesse início dos anos 70, tínhamos notícia do festival de música no Coliseu, de novas prisões de democratas e do descontentamento nas forças armadas.
E um dia, cheguei a casa de um amigo e a filha, que estava a passar a ferro, disse-me: «Olha, parece que houve um golpe em Portugal!».
- «Golpe? Oh diabo!»
É evidente que todos nós (mesmo os que estão mais ligados ao fenómeno teatral e, por conseguinte, mais habituados ao jogo da surpresa e da contradição), pensámos no golpe da extrema-direita, no reforço do cadáver político salazarista, no adiamento de passos indispensáveis para a nossa libertação.
Afinal, alguém tinha sido mais teatral que nós.
Era o 25 de Abril, com toda a carga emotiva, sensível, radical e humorística que só existe nos momentos históricos de excepção. Foi bonito. Foi muito bonito porque correspondeu a um sentimento nacional. Contra o sufoco, entrou uma lufada de ar.
Depois como se sabe, muita gente começou a fazer e a tentar fazer coisas. Entre essa gente, A BARRACA, filho legítimo de um regime que autorizou a liberdade de expressão.
O que A BARRACA tem tentado fazer é de uma enorme clareza: quer clarificar o nosso passado, quer tirar poeira da interpretação da nossa História, quer ajudar a preparar um povo e um país para os desafios do presente e do futuro, quer actuar (custe o que custar), na nossa vida do dia-a-dia.
Esta posição paga-se e não recebe pagamento.
Mas a verdade é que há poucas coisas que compensem a felicidade de nos sentirmos em relação com o pulsar da Nação, e também a certeza de sabermos que a nossa velha luta se transformou numa memória de honra, prazer e afectividade.
O lugar de A BARRACA é conhecido. E continuará a ser reconhecido.
Só nos resta agradecer à malta do 25 de Abril uma coisa muito simples: terem-nos dado a oportunidade de existirmos.
OBRIGADO,
MALTA DO 25 DE ABRIL!


Hélder Costa

O que dizem sobre nós

O Teatro da Afectividade

“Eis um homem: Hélder Costa. Sua profissão: encenador, a única entidade capaz de harmoniosamente utilizar todos os elementos de uma arte - o teatro. Homem alto, de rosto redondo cansado, vivo e expressivo, as mãos ossudas e esguias, refugiado na sua sobriedade, dele conheço somente a biografia, o que os outros pensam, a opinião da crítica, um retrato mais ou menos difuso lido nesta ou naquela notícia. Dele conheço a obra.
Director artístico de A Barraca, autor de diversos guiões, Hélder Costa faz parte dessa grande família a que pertence a gente do teatro. Encontrei-o de dia. Não havia quase ninguém. Logo se confessou apaixonado pelos jornais, pela política, revelou-se um ser afectivo. Como encenador, agita-se ao lado dos actores, partilha do seu esforço, cria personagens. É um intérprete por excelência, um autor que decifra a relação humana.
É um crente nessa «arte de justiça» que é o teatro, ofício que desmistifica e coloca o espectador perante as realidades do seu tempo. A encenação, como ele a entende, passa a ser o resultado do gesto, da palavra, do silêncio, produto da pesquisa, uma linguagem dinâmica. Passa a ser o ponto de partida de toda a criação teatral.
(...)
- Em tempos, afirmou que A Barraca tinha como objectivo «contribuir, através do seu trabalho teatral, para uma sociedade progressista, justa e livre». Pode comentar esta ideia?
- Continuo a pensar como sempre: não é possível trabalhar no campo da cultura sem esses objectivos. As várias escritas e, neste caso, o teatro, destinam-se sempre a libertar algo ou alguém e a contribuir para o desenvolvimento do ser humano.
- Então, o teatro tem uma função didáctica?
- Tudo é didáctico, assim como tudo é político. Se numa aldeia de analfabetos, alguém faz uma quadra ou com as mãos molda no barro uma figura, está a ensinar.
- Continua a afirmar, como o fez antes, que «o teatro não tem público e o público não tem teatro»?
- Penso que muita coisa se alterou desde então. O êxito de «O Baile» o comprova. O público jovem aderiu à peça entusiasticamente. As pessoas ficam fascinadas por poderem assistir a algo relacionado com a memória recente do seu país. Além disso, há uma boa capacidade técnica de execução. É bom sentir que conseguimos comunicar, através da afectividade.
E é este o futuro de A Barraca, um grupo de teatro independente nascido em 1976, o de desenvolver uma espécie de cultura em acção. É este o futuro de uma companhia que, desde 1984, apesar do êxito junto do público, não tem tido qualquer subsídio, a não ser, de vez em quando, na área da montagem. É este o seu destino: manter uma relação íntima com o espectador...”


Ana Marques Gastão
(in Diário Popular, 28 de Junho de 1988)

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