O Diabinho da Mão Furada (1987)

Versão e Encenação de Hélder Costa
Teatro Nacional D. Maria II, 7 de Março

 

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Cenografia, bonecos e cartaz: Rui Pimentel

Figurinos: José Carretas

Produção: Maria do Céu Guerra

Canções: Orlando Costa

Construção de instrumentos: António Cardoso

Arranjo Gráfico do Programa: Jorge Serrão, Rui Pimentel

Luminotecnia: Luís Viegas

Montagem: Alice Ferrugem

Execução de Guarda-Roupa: Aida Leite, Alda Torres

Adereços: Fátima Vasques

Carpintaria: Manuel Barata

Fotografia: Eduardo Gajeiro, Carlos Gil

Elenco: António Cardoso, António Gomes, João Azevedo, João Maria Pinto, José Carretas, Luis Thomar, Maria do Céu Guerra, Maria João, Paula Sousa, Teresa Faria

Existe o Bem e o Mal?
Há coisas sagradas e outras profanas?
O mundo real opõe-se ao fantástico?
Diabos, diabinhos, deuses e santos estão a favor ou contra esta gente que anda por aqui ao cimo da terra?
Salvam-nos de problemas, ou penalizam-nos com a culpa?
Claro que este tipo de interrogações já tem o seu quê de diabólico.
E a verdade é que desde há séculos que o homem se debate com estes fantasmas, muitas vezes transformados em cruéis realidades - as perseguições, as humilhações, e as muitas e variadas, e hoje evoluídas, Inquisições.
Os sucessivos autores deste «conto real», «O Diabinho - ou o Fradinho - da mão furada», construiram - «contando um ponto e acrescentando um ponto» - uma das histórias mais fascinantes relacionadas com o velho debate maniqueísta que opõe Deus e o Diabo.
Antiga lenda que aterrava espíritoscrédulos à lareira das longas noites de Inverno, acabou por evoluir para uma «parábola de sempre», que nós quisemos pensar como uma «história de hoje, e para hoje».
A multiplicidade do espectáculo, o fantástico que se vislumbra através do quotidiano mais simples, o recurso a várias e contraditórias referências culturais, e o humor, aí estão para testemunhar mais uma aposta contra tudo o que possa inferiorizar, manietar e entristecer o homem.
Trata-se de uma aposta na vida, e de um apoio às judiciosas observações do Diabinho: «O Inferno só se sente quando estamos mal», e «O Inferno está aí ao cimo da terra, não é preciso ter medo do que possa existir depois da morte».
Esperemos que seja assim, para bem dos nossos pecados.
Terminemos com uma sugestão diabólica e fantástica: que todos nos preparemos para lutar pelo nosso próprio Paraíso. E de preferência que seja agora e já, dado que não há tempo a perder.


Hélder Costa

O que dizem sobre nós

Diabruras da Céu

“Julgo que «O Diabinho da Mão Furada» é o mais corrosivo dos espectáculos apresentados por «A Barraca». Baseado numa narração tradicional portuguesa não é só o problema do desacerto entre uma concepção do mundo e a praxis quotidiana (ver Gil Vicente); ou a crítica à interferência da Igreja no Estado (ver filósofo de Port-Royal), mas muito mais depredatoriamente apresenta um diabo que é «bonzinho» à primeira vista.
O «boneco» deste Diabo é mais perturbante que o facto de o Soldado entrar em ordens com o dinheiro que aquele lhe dera; ou no fim o Diabo aparecer no convento como frade a confessar o Soldado.
«A Barraca» criou um espectáculo (onde podem entrar crianças) no qual a visão tradicional do Diabo é transformada num diabo «bonzinho», o que subverte as ideias feitas, e serve, à maravilha, os desígnios educacionais do grupo.
Praticamente a peça é um diálogo entre o diabinho (Maria do Céu Guerra) e o soldado Peralta (João Maria Pinto) com intervenções pontuais de bruxas, estalajadeiras, frades, etc.
João Maria Pinto deu bem a figura do pobre soldado que resume todas as nossas perplexidades existenciais. Maria do Céu Guerra foi prodigiosa como deu o «bom feitio», a doçura um pouco melíflua até do fradinho na linha de «quem não o conhecer que o compre». Céu Guerra compôs (e muito inteligentemente) o diabinho como uma imagem saintsulpiciana (o bairro de Paris onde se vendiam no século 19 imagens de santos muito rosadinhas) sem ne-nhum laivo de misticismo diabólico. O seu fradinho lembra muito mais o procedimento doce as senhoras da catequese que a ultrapassagem que caracteriza a santidade.
A austeridade da coreografia de Rui Pimentel e dos figurinos de José Carretas serve perfeitamente as intenções do encenador. Há que distinguir (embora saiba que é difícil) entre pobreza e miséria.
A miséria surge sempre que se pretende fazer mais do que se pode. A pobreza é um estado de graça (estou a falar em termos de estética e chamo em meu auxílio Mies Van Der Rohe com o seu «less is more» que não se aplica exclusivamente em termos de design).
A solução de utilizar bonecos nas narrações em que seria muito difícil os actores mimarem acções como atra-vessar rios, por exemplo, pareceu-me muito eficaz.
Diziam os Dadas que tinham «num ano destruído as gavetas do (nosso) cérebro e da organização social». Não direi que «O Diabinho da Mão Furada» destrua já a nossa tradicional visão maniqueísta, mas é um caminho. Visão maniqueísta está sempre ligada a um «establishment», onde há os bons e os maus (hoje os que votam bem e os que votam mal).
«O Diabinho da Mão Furada» não é um pobre diabo. Ao dar-nos esta imagem tem debaixo da manga (os frades como os ilusionistas têm mangas longas e mil e uma artimanhas).
Julgo que apresentar o diabo «bonzinho» (aparentemente) é um passo para desmitificá-lo, assim como o seu oposto. Montada esta peça, «A Barraca» mantém e reafirma a sua linha «agit-prop» num plano nacional e popular.”


Manuel Rio-Carvalho

Anterior
Anterior

1986. Os Polícias

Próximo
Próximo

1988. O Menino de Sua Mãe