A Balada do Café Triste (2000)

Texto de Carson McCullers e Edward Acbee
Encenação de Maria do Céu Guerra
TeatroCinearte, 12 de Dezembro

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Tradução: Maria do Céu Guerra

Música: Laurent Filipe, João Maria Pinto

Cenografia, Guarda-Roupa, Cartaz: Miguel Figueiredo

Adereços: Victor Sá Machado

Desenho de Luz: Francisco Grave

Sonoplastia: Laurent Filipe

Operação de Som: Fernando Pires

Carpintaria de Cena: Mário Dias, Paulo Ramalho

Programa: Miguel Martins

Fotografia: Luís Rocha

Secretariado: Maria Navarro

Produção: Cláudia Mateus

Apoio à Produção: Paula Coelho

Elenco: Maria do Céu Guerra, Paula Guedes, João Maria Pinto, Luis Thomar, Susana Cacela, Paula Coelho, Carlos Sebastião, Alexandre Ferreira

Estranhos frutos


Este texto é a terceira versão de um prefácio à "Balada" que entupiu, bloqueou e soava como obsoleto e triunfalista depois de lida a opinião do IPAE e o respectivo júri sobre o sentido da nossa vida. É que, com a euforia de quem tem um espectáculo em cena - A Relíquia - a esgotar durante quatro meses a fio, eu tinha escrito um texto triunfal em que falava sobre os 25 anos da Barraca, o que isso significava no seu entrosamento no tecido social e cultural da nossa terra, dos milhares de jovens que nasceram connosco para público de teatro, do capital de experiências vividas e ainda por viver, da alegria de termos dez espectáculos em repertório prontos para qualquer plano de itinerância no ano 2001, a saber: Um Dia Inesquecível, Agosto, Que Dia Tão Estúpido, O Príncipe de Spandau, O Pranto de Maria Parda, Abril em Portugal, Fernão, mentes?, A Relíquia, A Balada do Café Triste, Marylin meu amor. Coisa que no nosso país nenhum Teatro Nacional tem há muitos anos. Falava de como na comemoração dos 25 anos, A Barraca está a fazer esta peça com dois actores - João Maria Pinto e Paula Guedes - que pertenceram aos primeiros tempos da companhia, que aqui iniciaram as suas carreiras de mão dada com a carreira de um grupo que os receberia de braços abertos 20 anos depois, a mostrar que as cumplicidades artísticas existem mesmo e são mais fortes que eventuais e esporádicas separações, e com a Paula Coelho e o Luís Thomar que no decurso das nossas vidas já entraram e tornaram a entrar e continuam a ser da família.
Enfim, isto para dizer que A Barraca, afinal, é um universo, com público próprio e um considerável número de actores que, além dos fixos, vão e vêm e trabalham o nosso trabalho porque o ajudaram a criar e continuam nele mesmo, às vezes, fora destas paredes. Tinha escrito sobre a perplexidade de, 20 anos depois, ter começado a encenar, e A Barraca poder passar a contar, para seu bem ou para seu mal, com outra voz na encenação que não só a do Helder, seu encenador e director histórico. Tinha escrito sobre a aventura vertiginosa de pegar em textos romanescos e passá-los para teatro, aventura agora servida por Edward Albee que adapta Carson McCullers a perturbante autora do espectáculo que vamos apresentar e de como era nova e antiga para mim a entrada no universo dessa autora que Tenessee Wiliams conside-rou a mais interessante escritora norte-americana desde Melville. De como era interessante tocar de novo o universo feminino, perguntando sempre se há realmente uma escrita feminina...
Enfim, falava de tudo o que me parece interessantíssimo na minha vida como criadora teatral e de como era estimulante A Barraca ter adquirido, desde 1996, uma estabilidade como companhia que lhe permitia voltar à pesquisa, à dramaturgia própria, ao novo mergulho na cultura portuguesa. No retorno ao dificílimo espectáculo musical, agora, de novo, com a participação de António Victorino de Almeida. Falava no estonteante sucesso de A Relíquia. Falava, falava e, de repente, calei-me e suspendi a voz. É que recebi uma carta do Ministério da Cultura, em que um júri, integrado por pessoas que ao longo do tempo me habituei a apreciar, me vem dizer que o trabalho é "menos interessante do que a expectativa deixaria prever". O pote de azeite caiu da mão de Mofina Mendes e, desde o dia em que recebemos "a carta", tenho estado a ver se colo os cacos. Se vale a pena colar os cacos. Se a Mofina é mesmo isso: Mofina, má sorte sem porquê. Se há alguma coisa a fazer por ela. Numa palavra, se vale a pena continuar...
Os poetas que assinam o texto, ou parecem ser responsáveis por ele, Yvette Centeno e José Manuel Mendes, são daqueles velhos amigos que me habituei a não ver, porque a minha vida é em cena e há anos que não os vejo no teatro. Mas são gente de bem com quem tenho exercitado o respeito mútuo. O que é que aconteceu, então? Se eles não vêm ao teatro porque é que não acham o nosso trabalho interessante? E porque é que têm expectativas? Quem viu, então, os nossos espectáculos? Talvez um dos elementos do júri. Chega? O gosto ou o preconceito de um chega para decidir sobre a vida ou a asfixia de uma companhia ou, mais modestamente, sobre a sua qualidade? Então para que são necessários cinco a assumir a responsabilidade e a assinar?
Depois, dizem-me que o orçamento da Barraca é "significativo tendo em conta a Companhia", mas saberão que A Barraca, para manter em repertório os espectáculos que o IPAE durante dois anos requisitou, tem que contar com um colectivo de 30 pessoas a trabalhar em permanência?
Quando o poder mudou, em 96, o discurso sobre a cultura apareceu renovado e foi do agrado geral ouvir dizer que o teatro tem de ser apoiado pela simples razão de que é uma actividade indispensável mas cara e deficitária, como o ensino, a saúde, o desporto, a informação, etc., etc.. Foi grato ouvir dizer que os criadores que resistiram anos a fio dando provas de persistência, boa gestão e reconhecimento público deviam ser reavaliados e que não competia à administração cultural impor gostos, decidir por decreto o que deveria viver ou morrer mas limitar-se à distribuição escrupulosa do dinheiro dos contribuintes pelas actividades reconhecidamente válidas, sérias e continuadas, com o seu campo de implantação ou influência entre aqueles que realmente as pagam.
Ocorre que, sem uma palavra clara que o desse a entender, a política para o teatro mudou. Sem mudar a orientação política que a prescreve e tutela. E nós passámos a ser obrigados a uma avaliação que faz tábua rasa, e que só passa pelo critério de alguns. Mas quem? O Ministro? Os técnicos do IPAE? O júri?
No que me diz respeito, talvez seja verdade que, cito a carta do Ministério, "A fundamentação do programa proposto apresenta-se vaga, não contendo elementos de reflexão sobre o projecto artístico a desenvolver". É que quem podia esperar que o IPAE queria um estudo teórico sobre o nosso trabalho teatral? Depois de 25 anos de trabalho continuo, sabemos que o teatro não se faz em dossiers mas em cena e que quem está no Ministério da Cultura e subscreve documentos e pareceres, que possibilitam ou impedem a vida das companhias, tem absoluta obrigação de conhecer não as opiniões próprias sobre o trabalho apresentado ou sobre os projectos do trabalho a apresentar, mas o próprio trabalho, as suas intenções, suas condicionantes, a sua relação com o público, os seus enfoques teóricos, concerteza, mas só em presença e confronto com os seus resultados cénicos.
Por muito difícil que seja escrever sobre arte, fazê-la será sempre mais. Por isso é que estes critérios pessoais e, no fundo, obscuros vão sempre desembocar no mais condenável elitismo. E são já antigos e têm levado ao afastamento do público, à morte lenta dos Teatros Nacionais e a uma assustadora autofagia cultural, em que o que se faz é de poucos para cada vez menos porque, para quem assim pensa, ser escolhido pelo público não significa ser interessante nem estimulante. Porque, para quem assim pensa, a maioria já tem o seu Big Brother e tem o que merece.

Maria do Céu Guerra

“Todos quantos estão ligados, de boa-fé, ao teatro que se faz, em Portugal, sabem que Maria do Céu Guerra não é uma qualquer. Já não há que comprovar tal facto, mas, se necessário fosse, aí estaria, para o efeito, no Cinearte, A Balada do Café Triste, texto de Carson McCullers, com adaptação teatral de Edward Albee, e neste caso, ostentando tradução (excelente) e encenação (ultra-excelente) de Maria do Céu Guerra.
Maria do Céu Guerra: a actriz, a adaptadora, a tradutora, a encenadora, a dramaturgista, etc., etc., etc. Desta feita, acreditou no que Tennessee Williams um dia disse, de Carson McCullers: "A mais interessante escrita norte-americana desde Melville." Depois, sabia de ciência certa, que Edward Albee, passando a teatro, um texto não dramático, não o faria por mero acaso. Por fim - e muito aqui para nós - terá sido acicatada pela ideia de que existe um universo feminino e uma escrita feminina.
Ritmo magnífico, absoluto, atendendo à dicotomia objectivo-subjectivo. Criação - o que nem sempre é fácil, em palco, no tocante ao Sul estado-unidense - de todo um clima consistente, pleno, inequívoco. Depois, se o teatro é, essencialmente, a actuação dos actores e a sua comunicação com o público, recebemos, de modo poderoso, essa oferta. Logo, um bravo, bravíssimo, para a "Miss Amélia" de Paulo Guedes, compartilhado, também, pelo "Primo Lymon" de João Maria Pinto. Ainda a grande altura, situam-se as interpretações de Luís Thomar, Susana Cacela, Paula Coelho, Carlos Sebastião e Alexandre Ferreira. No "Autor/Narrador", a presença sempre oportuna, e correctamente um tanto "distanciada", de Maria do Céu Guerra.
Notas positivas para a cenografia e para o guarda-roupa de Miguel Figueiredo, para a música de Laurent Filipe e de João Maria Pinto, para os adereços de Vítor Sá Machado, para o desenho de luz de Francisco Grave e para a sonoplastia de Laurent Filipe. Em cena no Cinearte em Lisboa.”

Fernando Midões, in Diário de Notícias
12 Fevereiro de 2001

O que dizem sobre nós

Anterior
Anterior

2000. A Relíquia

Próximo
Próximo

2001. Marilyn, meu Amor