O Último Baile do Império (1996)

Texto e encenação de Maria do Céu Guerra
Teatro Cinearte, 28 de Março

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Cenografia: Mário Alberto

Figurinos: Maria Gonzaga

Programa: Maria do Céu Guerra

Arranjo gráfico do programa: Guilherme Mendonça

Produção: Paula Coelho

Carpintaria de cena: Mário Dias, Manuel Madruga

Luminotecnia: Marinel Matos

Sonoplastia: Paulo Xavier

Cartaz: Filomena Horta

Elenco: Laura Soveral, Ilda Roquete, Titina, José Boavida, Carlos Vieira de Almeida, Pedro Alpiarça, Carlos Sebastião

Devagar

Toda a minha vida deslizei para dentro das coisas, devagarinho, sem me dar conta de que estava a ir em direcção a outro lugar. Só artificialmente consigo imaginar o primeiro dia de um amor, ou de uma obra ou de uma situação. Tenho sempre a noção que o meu passo inicial para qualquer coisa foi dado ao nascer e que essa foi a minha única transição violenta. Por isso gostei tanto quando ouvi, numa entrevista, Samora Machel dizer que nunca tinha lido Marx pela primeira vez.
Isto para dizer que não percebi nada quando entrei para o Teatro. E que ao entrar pareceu-me que já lá tinha estado e que qualquer dia sairia também devagar. Aliás sempre olhei para a minha vida no teatro com os olhos de um pai conservador mas benevolente que, perante a rebelião de um filho, pensa “com a idade isto passa-lhe”. Fiquei à espera e ainda não passou. E o que é divertido é que, entretanto, tenho feito alguns sacrifícios para defender o que devagar se foi transformando num amor feliz.
Assim, também não posso dizer que esta seja a minha primeira encenação, porque a Barraca tem vinte anos e eu sinto-me a encenar desde o seu início. Depois veio o gosto dos monólogos, a descoberta do corpo a corpo radical com o público e com ela a assunção do actor medium entre o autor e a plateia. Primeiro sob a direcção do Hélder, depois progressivamente mais isolada porque, na minha intimidade com os textos escolhidos, até ele estaria a mais. E foi assim com “O Menino de Sua Mãe”, e foi assim com a “Maria Parda” e com a “Marly”. E agora o processo ganha uma variante que consiste em não ser eu o medium, mas um grupo de actores que nunca pensei vir a dirigir.
Teatro para mim foi sempre, só, contar uma história, assumir uma personagem ou revelar um comportamento em cima dum palco. Habitar um corpo e uma cena por um discurso que de repente, por qualquer razão, se impõe como indispensável. Por isso não tenho, nunca tive a sujeição obrigatória às grandes peças porque sim, mas às grandes histórias ou aos grandes actos teatrais, fazendo assim por criar tudo, do zero ao finito (porque o dinheiro tem sido sempre pouco e impõe limitações).
E só me senti definitivamente do Teatro quando ao ler uma grande narrativa ou notícia ou poema percebi que me inquietava a pergunta insistente “Como é que eu faço isto?”, como se no livro ou no jornal eles não tivessem atingido o seu último e precisassem de mim para os fazer cumprir no palco.
Foi assim com o “Baile da Despedida”, romance de Josué Montello que me aventurei agora a pôr em cena. “Que bela história - disse ao chegar à última página - como é que se faz isto?”
Inicialmente pedi ao meu amigo Edson Nequete, actor e dramaturgo brasileiro, para me delinear os tópicos da dramaturgia. Mas o “baile” dele, aliás lindíssimo, não era o meu. E dessa primeira abordagem só sobrou a relação inicial dos dois jornalistas.
Pedi-lhe desculpas e fui ao meu “baile”. História incómoda sobre as fronteiras entre a normalidade e a loucura, a verdade e a mentira, a liberdade e o preconceito. Melancólica. Repetitiva, redonda como uma lágrima.
Claro que eu queria fazer a protagonista. Mas o respeito que me merecem os actores que têm atravessado, na Barraca, anos seguidos de dificuldades, aguçou a minha vontade de que estreitássemos novas intimidades. “Hoje está a chover, não podemos ir para o jardim, ficamos aqui fechados, a brincar! Tenho uma história, quem manda sou eu! Querem?“ Quiseram. Durou dois meses a chuva. O espectáculo ficou pronto.
À equipa toda devo a alegria deste tempo de trabalho sem um momento menos bonito. Ao Hélder e ao Boal devo o terem dirigido sempre de uma forma tão aberta e tão democrática que cada actor se sentiu naturalmente implicado em todo o processo de criação. Só por eles me terem deixado tantas vezes a cadeira da direcção eu me pude agora sentar nela, naturalmente, devagar.
Perdi tempo? Todos perdemos tempo a crescer. Haverá outra forma de o ganhar?
Se os “milicianos” de Abril só agora é que chegaram ao poder...


Maria do Céu Guerra


Assista ao Vídeo Promocional de O Último Baile do Império.


Anterior
Anterior

1995. Parabéns a Você

Próximo
Próximo

1996. Viva la Vida!