Ser e Não Ser, ou Estórias da História do Teatro (2004)

Texto e encenação de Maria do Céu Guerra
Com textos de Ésquilo, Sófocles, Eurípedes, passando pela improvisação da Commedia dell’Arte, Moliére, Shakespeare, até aos nossos contemporâneos com Tchékov e Brecht, entre muitos outros.
Teatro Cinearte, 22 de Maio

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

Cenografia: Manoel Ribeiro

Assistência de Cenografia: Margarida Sá Machado

Música: António Victorino D’Almeida

Assistência de Encenação: Guilherme Mendonça, Débora Mateus

Coreografia: Vicente Trindade

Elenco: Maria do Céu Guerra, João D’ Ávila, Carla Alves, Gil Filipe, Luis Thomar, Mariana Abrunheiro, Pedro Borges, Pedro Diogo, Rita Fernandes, Sérgio Moras, Susana Costa, Bernardo Eiró

 Adereços e Máscaras: Vitor Sá Machado, Delphim Miranda

Guarda-Roupa: Sandra Pereira

Preparação de Actores em Comedia dell’Arte: Filipe Crawford

Pesquisa Século de Ouro: Rita Lello

Pesquisa período isabelino: Guilherme Mendonça

Luz: Fernando Belo

Som: Rui Mamede

Produção: Elsa Lourenço

Cartaz: Susana Marques

Fotografia: Paulo Ferreira

Secretariado: Maria Navarro

Colaboradores: Nuno Raimundo, Paula Coelho, Oksana Zakharenko

Sobre o espectáculo

É difícil dizer exactamente por que razão se quer fazer um certo espectáculo. Para mim é dificílimo explicar a razão por que há tantos anos desejo este projecto. Sempre protelado por dificuldades, sempre preterido em prol de outros, afinal, mais realistas.

Descer ao nosso centro. Escolher. Descer ao centro de cada autor escolhido. Criar o centro de uma equipa reestruturada a que faltavam referências comuns. Ler 81 livros. Encher 18 cadernos de notas. Aprender. Descobrir o ritmo de cada época, os seus conflitos, não imitar, mas encontrar a essência de cada uma o seu vento. Cada linha corresponder à matéria de um novo espectáculo possível. Equilibrar densidade com leveza. Misturar o que aconteceu com o que deve ter acontecido com o que poderia ter acontecido. Relatar estórias que são História. Inventar estórias que poderiam estar na História. Selecionar. Cortar. Cortar. Aprender.

Escrever. Encenar. Pintar o texto. Cozê-lo com o texto dos autores sem os ferir. Organizar um corpo. Trabalhar amorosamente cada cena escolhida que é sempre o ponto alto de uma peça e equivale ao seu estudo aprofundado. Encontrar os indispensáveis alívios. Tropeçar de deslumbramento muitas vezes. Aprender.

O espectáculo divide-se em 3 partes: 1a parte vai dos gregos à Comedia dell'Arte, 2a parte "os clássicos" de Shakespeare a Goldoni, 3a parte de Dumas Filho aos nossos contemporâneos.

A especificidade dos antigos que são muitas vezes olhados como um bloco, as histórias de reis de Shakespeare, os conflitos de Molière, a poesia sem fim do século de ouro, o entusiasmo reformador de Goldoni, o eterno riso de Sarah Bernhardt, o desespero de Eleonora Duse, a "eternidade" da Dama das Camélias, a grandeza de alma de Tchekov, a dicotomia que ainda se faz sentir Stanislavsky / Meyerhold, a vontade indomável de descobrir e revelar os mecanismos de tudo em Brecht e a convicção de que, a haver mecanismos, eles são tão impenetráveis que só dão a ver a sua arbitrariedade e o seu Absurdo, que rege ainda o nosso tempo, tudo isto eu procurei fazer passar por cena. Sendo que uma das tarefas mais árduas foi cortar. Cortar. Retirar cenas. Frases. Ideias que ficariam obscuras sem o seu necessário desenvolvimento. Retirar jogos.

Claro que este espectáculo pensado por outro, seria outro. Os autores, as obras, os olhares seriam outros. Faltam os alemães, dirão uns. Então os americanos, pensarão outros. Sobretudo falta muito do que eu gostaria de contar. Falta tanto! Fica para a próxima... Entretanto ficcionei muitas vezes.

Claro que o fantasma do pai de Richard Burbage é tão inventado como o do pai de Hamlet com quem por um momento se cruza, todos os fantasmas são, aliás, ficção (não é?). Mas é verdade que foi Shakespeare que fez o papel do fantasma dinamarquês e que os conselhos que Hamlet virá a dar aos actores são os conselhos de Shakespeare. Claro que Isabel I não falou assim com Shakespeare e os irmãos Burbage, (mas podia), uma vez que é verdade que ela pediu mais Falstatt e que chegou a proibir Ricardo I. E que embora a Companhia do Sr. Granados tenha sido convidada para ir para Madrid em certa altura, certamente não terá sido aquela a conversa que o Protector dos Teatros teve sobre a Nova Lei cujo enunciado e corretamente citado. É claro, ainda, que não se sabe exatamente o que pensou Roscius sobre Seneca, mas sabe-se que tudo o que ele diz aconteceu. E claro que não houve uma sotureirinha comum às “Divinas” e que ela é apenas uma solução dramaturgica baseada na importância de confidente que estas figuras tiveram junto das actrizes que serviram, principalmente a “senhorinha” de Sarah. É ainda claro que as conversas de Molière com a sua Companhia só foram assim no Improviso de Versalhes e na minha cabeça.

Como não pretendi fazer um compêndio, dei a alguns autores o espaço de várias cenas, para que delas pudesse nascer uma espéie de amor por parte de quem vê. Aprofundei por vezes, deseuilibrando. Para outros apenas pude despertar a curiosidade. Curiosidade pelo Teatro. essa Arte maior sobre a qual quase toda a gente pensa que sabe tudo.

Maria do Céu Guerra

O que dizem sobre nós

“E já que “o teatro é a melhor que o ser humano tem para oferecer a outro ser humano” são precisos actores e público. Os primeiros já lá estão à espera de ver a sala cheia para assistir a um trabalho surpreendente de Maria do Céu Guerra, que já entrou, definitivamente, para a História do Teatro Português.”

Cláudia Elias, in Jornal Lusitano (23 de Outubro de 2004)

Um desafio estimulante...

…desafio e oportunidade extraordinária de convívio crítico e criativo com a encenadora, atores e atrizes, assistentes, aderecista, carpinteiro, iluminador, o homem das cortinas e retaguarda administrativa d' ABARRACA.

As conversas com os atores, na construção dos personagens, foram sempre referidas aos parâmetros ideológicos e estéticos definidos pela encenadora. As informações sobre o contexto de cada época foram passados, bem como os traços de caráter e interesses de cada personagem, de modo a orientar as pesquisas pessoais. Assim, para os figurinos, a iluminação e a cenografia. A encenadora parece sempre estar questionando: “Por que estamos no palco?”.

Quase quatro meses de imersão na criação e produção teatral de Ser e Não Ser. Uma viagem!

A primeira parte da empreitada consistiu em recriar um palco, no espaço da antiga platéia do Cinearte, que pudesse acolher vinte e seis séculos de teatro.

A dramaturgia referia-se, em cada tempom, a espaços, modos de representar, paletas de cores, figurinos, elementos de cena e, sonretudo, a cada contexto social e às relações do teatro com o poder.

Diversos distanciamentos público/atores e planos de encenação, sonho e realidade, bastidores abertos, maquinaria à vista, elementos de cena ocultados apenas por convenção, símbolos do poder.

Todo o espaço livre da sala foi utilizado, em quatro planos diferentes incluindo o pequeno palco onde ficava o écran do antigo Cinearte. Duas passarelas laterais funcionam como bastidores, expondo figurinos, maquinaria e atores fora de cena.

Nas extremidades junto ao público, dois volumes avançam, demarcando a boca de cena e revelando / ocultando espaços reservados ou de sonho.

Uma estrutura leve acolhe uma escada móvel que une o palco médio à varanda de serviço, que corre alta, junto às paredes laterais.

A dramaturgia sinalizava também para uma estética económica, longe do barroquismo explicativo, leve e bem humorada. Sem reproduzir pormenores, apenas ilustrando, fazendo a mágica e revelando o truque.

Cada etapa histórica foi “marcada” cenograficamente por insinuações sobre os espaços, tecnologias e elementos de cena usados em cada época, considerando as transformações do próprio papel do “cenário”.

Foram buscadas referências culturais, espaciais e arquitectônicas, que ilustrassem cada época de maneira esquemática, à moda das bandas desenhadas, às vezes desconstruída, deixando margens para a imaginação e a curiosidade do público.

Manoel Ribeiro

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