Havemos de Rir? (2001)

Texto de Maria Judite de Carvalho
Encenação de Maria do Céu Guerra
Teatro Cinearte, 4 de Outubro

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA

 Programa e Guarda-Roupa: Maria do Céu Guerra

Assistência de Encenação: Guilherme Mendonça

Adereços e Espaço Cénico: Luis Thomar

Desenho de Luz: Francisco Grave

Operação de Luz: José Carlos Pontes

Sonoplastia: Fernando Pires

Cartaz e Fotografias: Guta Carvalho

Carpintaria de Cena: Mário Dias

Secretariado: Maria Navarro

Produção: Bárbara Rocha

Elenco: Maria do Céu Guerra, João D’Ávila, Carla Alves, Alexandre Ferreira, Sara Noronha

Esta peça de Maria Judite de Carvalho, para quem sonha com uma dramaturgia portuguesa rica (ou que se vá enriquecendo com o uso do palco e da liberdade) constitui uma espécie de presente. Obrigado Urbano.
Entre Tchekov e Camus, e não seria Tchekov um existencialista avant-la-lettre?, o texto permitiu-nos erguer um conjunto de personagens cuja consistência e surpresa o transformam num exemplar daquele teatro carpinteirado por hábeis marceneiros entalhadores de conflitos e caracteres que a pressa da vida deixou de comportar. Mas por que não fugir da pressa e olharmos para estas pessoas? Por que não ouvir estas pessoas, devagar, como se entra numa casa fechada, cheia de ausências? Escutemo-los, com o seu fel, com os seus muitos anos de silêncio, cada um dentro de si. Azedos e activos, espreitando o outro, cheios de solidão. A esbracejar.
Não sei, nunca sabemos, como o público irá receber este trabalho. Começo a dar mais valor à viagem do que à chegada ao porto. E a viagem foi, sem dúvida, compensadora e luminosa.


Maria do Céu Guerra 

O Universo de Maria Judite de Carvalho em “Havemos de rir?”

Única peça de teatro de Maria Judite de Carvalho, "Havemos de Rir?", interrogativa e quase desesperada como tantos contos e novelas do autora, apresenta-nos, no cenário de uma casa rica de burguesa da província, criaturas de limitados horizontes e algumas maquinações veladamente perversas. Obra fundamentalmente irónica, mesmo no desfecho trágico.
Todo o talento de escrita de Maria Judite de Carvalho, a sua arte de dizer, em surdina, frustrações, sonhos gorados, pequenas invejas, ódios de estimação, amores precários, aqui encontramos.
Dos cinco personagens - três mulheres e dois homens -, destaca-se a de Eduarda, a solteirona, ex-empregada de escritório, com uma vida de sujeições, de renúncias, de pequenas humilhações, a quem uma inespe-rada herança vai permitir realizar secretas fantasias, uma recalcada ânsia de maternidade e de poder. Tudo o que ela premedita dará para o torto. Os seres humanos não são marionetas e algumas vezes os sentimentos sobrepõem-se aos interesses. Tal não permite, no entanto, nenhuma leitura optimista dos comportamentos e do microcosmo que Maria Judite de Carvalho criou e Maria do Céu Guerra, com subtil compreensão e arrojo, soube transpor para o palco.
São irremediavelmente egoístas mesmo os dois jovens (Rosa e Gil) que, apaixonando-se (talvez o gerúndio seja excessivo), fazem abortar o plano de Eduarda. E igualmente mediana, mas sem dúvida pungente, a figura do Sr. António Sabino, o "patrão" que assedia as suas funcionárias, com o êxito que o seu dinheiro lhe propicia e que, no preciso momento, em que enfim abandonou a família e a responsabilidade social (estamos nos anos 60) para satisfazer o desejo de segurança e estatuto da amante, vê esta fugir-Ihe para os braços de um gigolô de luxo.
Outro grande mérito da peça consiste no inesperado das situações, que culmina no trágico acidente (ou suicídio presumível) de António Sabino.
Tal como na tragédia grega, a morte não comparece em cena, dela se dá notícia, o que não reduz, antes aumenta, o impacto emocional da acção.
A céptica, agridoce analista das decepções, dos fracassos, da irremediável pequenez dos seres humanos e das suas amarguras digeridas, da sua desesperança, que foi Maria Judite de Carvalho, cronista do quotidiano banal e do segredo de cada instante, e o seu ta-lento, surgem-nos nestes três actos de uma perfeita oralidade das réplicas, de uma perfeita caracterização das personagens, das suas palavras e gestos.
Cumpre dizer que as interpretações dos actores, fruto de muito trabalho e amor pelo texto, contribuem decisivamente para a consecução dessa atmosfera em que uma época ressurge e com tanta fidelidade é sugerido, revelado, o imaginário de Maria Judite.
Maria do Céu Guerra, em grande parte obreira deste milagre, tem por sua vez, como actriz, uma inesquecível composição, de um tacto, inteligência e intuição fascinantes.
Quero, por tudo isso, aqui deixar bem expresso a todos, incluindo a equipa técnica, o meu reconhecimento.


Urbano Tavares Rodrigues 

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