Fernanda Lapa
Fernanda Lapa e Maria do Céu Guerra na peça “Auto da Índia”.
Foi a primeira actriz com quem troquei falas em cena, éramos as duas estreantes no ano de 1963 na bela peça de Almada Negreiros “Deseja-se Mulher”. Dirigia-nos o mestre Fernando Amado que nos ensinou muito sobre o rigor da arte e nos contagiou com a alegria da criação. Eramos nós e era a Manuela de Freitas e a Zita Duarte, o Santos Manuel, o Norberto Barroca e o Vitor Silva Tavares. Mas nós, “As meninas”, tínhamos um lugar especial no coração do Mestre. 12 anos depois nasceu A Barraca e a Fernanda foi das primeiras actrizes a ser desafiada para a grande aventura. Tivemos muitos sonhos em comum. Dirigiu-nos Augusto Boal que temperou o nosso amor à Liberdade e a nossa vontade de transformar o teatro ferido por uma censura e por um conservadorismo que faríamos tudo para que não voltassem.
Aprendemos muito com ele, nós, o Mário Viegas, o Luis Lello, a Paula Guedes, o Hélder Costa, o Orlando Costa, etc, etc.
Alguns anos depois pedi-lhe que me dirigisse no espectáculo de inauguração da sala 2 da Barraca. Queria que o selo daquela amizade ficasse impressa naquela sala. Éramos 4, a Fernanda a dirigir, o Sinde Filipe e eu em cena e o José Manuel Costa Reis nos cenários e figurinos. A peça chamava-se “De Braços Abertos” e tinha vindo do Brasil pela mão do António Alçada Baptista. A direcção da Fernanda revelou-se um trabalho apaixonante, embora a peça fosse uma “velha canção”. Anos depois já tocadas por uma idade maior, fomos professoras na Universidade de Évora e tivemos oportunidade de conferir o quanto tínhamos em comum apesar dos anos que passámos separadas.
Agora, eu ia participar na grande homenagem que a lealdade da Fernanda impulsionou que o País realize ao seu grande amigo e enorme dramaturgo Bernardo Santareno.
A Fernanda era inteligente, honesta, resistente. A sua rebeldia nunca endureceu ou beliscou em nada a sua sensibilidade e a sua inspiração.
Perde-se muito quando se perde uma companheira como a Fernanda Lapa.
Maria do Céu Guerra